Por Maisa Oliveira
Até 2018, o sinal analógico será desligado em todo o Brasil, isso quer dizer que todos precisaram se adaptar para a TV digital. Obrigatoriamente, 93% das casas precisam trocar suas TV’s por uma que tenha habilidade para receber o digital, e assim efetuar o desligamento. Mas, será que estamos preparados para estas mudancas? Para entendermos melhor, entrevistamos a Doutora, professora e pesquisadora Livia Cirne que possui extensa produção academica nas áreas de televisão digital, transmidia, telejornalismo, jornalismo colaborativo, midias digitais, entre outros. Em sua tese “Os desafios da TV digital e as mudanças na produção de conteúdo”, Lívia faz uma abordagem sobre estes questionamentos.
Maisa Oliveira – O Sistema Brasileiro de TV, aos poucos, está passando do digital para o analógico, e isso vai acarretar em diversas mudanças, você acredita que a que de fato eles estão preparado?
Livia Cirne – Não. Tanto que esse processo de desligamento do sinal analógico, que a gente conhece como switch-off, ou seja, só funcionará quando o sinal for emitido pelo sistema de transmissão digital. Hoje, muitas emissoras ainda não fizeram essa migração, efetivamente. Aqui na Mirante, por exemplo, os estúdios não estão com iluminação, elementos cênicos, câmeras e captação adequada. Agora que começaram a fazer a migração para o digital, mesmo assim só na transmissão. A produção não é. Eles estão trabalhando com conversão do sinal. Isso imputa em perda de qualidade.
Além disso, falta outro tipo de preparo, que diz respeito ao treinamento técnico, da equipe e da redação. Está tudo muito longe de ser concretizado, me parece. O exemplo que cito aqui da Mirante, infelizmente, ainda é realidade na maioria das emissoras.
Estamos falando de um universo grande, no Brasil. Se a gente for pensar que existe Globo em todos os estados brasileiros, dá para imaginar que o investimento para trocar transmissores é muito alto. Para inserir tecnologia de ponta, muito por baixo, o investimento é de dezenas de milhões. Para muitas afiliadas, é um custo elevado. Além de que muitas casas também não estão aptas para receber o sinal HD. As pessoas não se prepararam. Não houve também uma campanha de incentivo e pedagógica sobre o assunto. Muita gente não tem conhecimento do que significa. Isso também é um dos fatores que dificultou pesquisas que explorassem as potencialidades da tecnologia, do que poderia ser explorada a partir dela. Então, em resumo, o que posso dizer é o seguinte: as pessoas não estão preparadas e nem estão cientes das mudanças. Outra situação grave é o fato das emissoras não terem condições financeiras para mudar toda a infraestrutura e para treinamentos. Sobretudo, as menores, as de interior. É uma realidade distante, por enquanto. Obviamente, como conseqüência, o processo todo vai se atrasando. Em dezembro de 2018, Imperatriz terá o sinal analógico desligado. Isso se conseguir mudar tudo na afiliada. Antes disso, São Luís. E eu estou citando a Globo, aqui, porque, indubitavelmente, é uma das maiores e mais ricas emissoras do mundo, mas o desligamento é comum a todas as redes de televisão. Se a que tem mais grana não está conseguindo, imagina as demais que já sobrevivem com orçamento reduzido.
Em seu artigo, você diz que a internet é a protagonista desse processo. Que comparativo pode se fazer entre a TV e a Internet?
TV é TV. Internet é internet. São dois sistemas diferentes. A TV, mesmo a segmentada, por assinatura, foi pensada (e é pensada) para consumo em massa. As pessoas compartilham experiências comuns, ao mesmo tempo. A produção para a TV observa características expressivas do meio. A audiência é massiva. Já a internet, e vou usar aqui “web”, porque eu acho que é isso que está em questão na pergunta, obedece a um outro regime de fruição. Quando eu acesso à web, a página do YouTube, por exemplo, e entro num determinado canal, ao mesmo tempo que você, não necessariamente poderemos assistir ao mesmo vídeo. Já no que se refere à TV, se ligarmos no mesmo canal, ao mesmo tempo, estaremos vendo a mesma coisa.
A TV tem uma importância gigante no Brasil, porque – por muitos anos – foi a principal fonte de lazer e conhecimento para a maioria da população, num país cheio de desigualdades sociais. Claro que, naturalmente, a chegada de uma mídia nova obriga que as mais tradicionais repensem suas formas de produção e distribuição. A web forçou um redirecionamento de linguagem nos programas audiovisuais, de narrativa televisual, de investimento em participação da audiência. E acabou cumprindo também uma das funções previstas pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital, inclusive porque as mudanças acontecem de forma muito mais céleres. Porque não seguem às mesmas exigências técnicas e práticas do sistema de televisão. O que a gente tem hoje, e se perdurará por muito tempo, é uma relação cada vez mais tangente entre os meios. TV e web se complementam o tempo todo. Essa relação produz tensão, desconfiança, mas também ajuda a desenvolver novas experiências para quem faz e para quem consome os dois meios.
A televisão digital não se trata apenas de uma reinvenção da TV, como a opinião pública diz, mas de um negócio lucrativo onde se propõe abrir ofertas de serviços. Há de fato mão-de-obra pra toda essa inovação?
Não sei muito opinar como anda o processo de reciclagem nas TVs que adotaram o sistema digital, porque não tenho acompanhado muito recentemente sobre o switch-off, porém o que a gente supõe é que não existem profissionais suficientes habilitados para operar na nova tecnologia. Quantos, nas universidades, por exemplo, têm noção do que se trata e das possibilidades técnicas? Nos cursos de informática, nas engenharias e na Comunicação? A gente não chegou nem a ensinar a produzir para a TV digital. Costumo afirmar, nas entrelinhas, que a TV digital nasceu morta. O máximo que a gente tem observado até agora é uma melhoria na qualidade de imagem e do som. Mas essas são apenas duas das características prometidas. O resto faliu, antes de realmente existir. Infelizmente. O universo dos aplicativos, na web, saiu na frente. Criaram o que eu nomeio como “appficação”, uma cultura de produção e consumo em larga escala de apps. Com isso, os atrativos previstos para a TV no Brasil, não foram tão atrativos
No artigo, você faz um questionamento sobre o fato da irrelevância nas discussões sobre os conteúdos produzidos para essa nova mídia. Qual a importância sobre essas discussões?
Não é nem irrelevância. Não houve nenhuma discussão ampla sobre que tipo de conteúdo formaria a grade de programação da TV brasileira. O que poderia ser adotado. Pouquíssimos cursos superiores de Comunicação tiveram contato com disciplinas que fizessem essa abordagem. Os profissionais que produzem conteúdo foram marginalizados do processo de implantação da tecnologia. Temos um sistema de televisão que não ouviu os profissionais que fazem dela o que ela é hoje. É como se você fosse mudar os andares de um prédio, mas não falasse com o síndico, vizinhos… Essas discussões eram para ter sido fomentadas com urgência. Isso foi muito errado.
Na sua opinião o “jornalismo cidadão” ou “jornalismo participativo” é, de fato, um grande instrumento de ligação entre a populaça e a mídia?
Hoje, não se pode mais conceber conteúdos mainstream, conteúdos das mídias tradicionais da forma como eram produzidos e pensados há 10 anos. A participação é uma condição sine-qua-non em quaisquer meios e segmentos. No jornalismo, mais propriamente, não dá para se pensar em textos que não levem em consideração contribuições da população. A voz do povo está em todos os cantos. Em cantos e de um modo que as emissoras, muitas vezes, não têm condições de se manifestar. As redações não têm como ir atrás de todos os fatos do dia, mas a audiência pode funcionar como colaboradora. Sobretudo, em situações de jornalismo de crise. Enchentes, acidentes, etc., são exemplos de situações em que a TV não tem como chegar em tempo hábil, muitas vezes. Solicitam, portanto, a participação da audiência, para que ela se manifeste, ajude, colabore. O que, estrategicamente, é muito bom, hein?
Link do artigo:
http://www.insite.pro.br/P%C3%A1ginas%20novas/tv_digital_cirne.pdf