Por Beatriz Farias
Não se pode ver Alcântara a olho nu/ Alcântara requer uma lente memorial para ampliar o que se contempla para trás/ ou por detrás de nossas ruínas humanas/ ou para além do nosso esquecimento/ através dos muros endurecidos/ dos séculos/ O olho comum é cego/ que olho sem memória não avista senão a forma ilusória da própria visão?/
O trecho faz parte do poema “Alcântara”, do poeta paraibano Jorge Chagas, com inspiração maranhense. A cidade de Alcântara, localizada na região norte do estado, 670 km de Imperatriz, é o alvo principal do projeto “ALMA (Alcântara – Maranhão): reescrevendo as histórias das comunidades quilombolas do Maranhão”, em que acadêmicos e professores da Universidade Federal do Maranhão, Campus Imperatriz, estudam sobre as 200 comunidades quilombolas do município.
Durante oito anos, os pesquisadores do projeto buscam valorizar as manifestações culturais e religiosas das comunidades quilombolas de Alcântara. O projeto é formado por estudantes dos cursos de Pedagogia, Direito, Enfermagem e Comunicação Social – Jornalismo da UFMA Imperatriz, além de fazer um resgate histórico das comunidades quilombolas, contribui para a resolução de problemas sociais dos moradores.
“Alcântara é muito rica e traz em si muitas vertentes que colaboram para que a gente possa se encontrar enquanto pesquisador e visitante. E todas as facetas que levamos enquanto pessoa”, é assim que a professora Herli Carvalho, coordenadora do Alma, define o local. E comenta o fato dos alunos conhecerem a história e cultura de Alcântara permitir uma experiência exploratória sobre a cultura maranhense. “Nós trabalhamos nos eixos de desenvolvimento sustentável, educação, manifestações culturais e religiosas, e saúde. É um projeto não só interdisciplinar como também intercursos, pois ele permeia essas possibilidades. Ele é mais que pesquisa e extensão, pois consiste em um projeto didático”.
A coordenadora ainda fala da riqueza de elementos que os integrantes conseguem captar nas vivências. Além de ser marcante contribui para a construção do conhecimento, tanto teórico quanto de vivência, das manifestações que existem no Maranhão. “Nosso principal objetivo é viver o nome do projeto ‘ALMA’, acima de tudo. Viver como pessoa, mas também viver enquanto pesquisador professor e acadêmico. Aprender com as pessoas de lá”, diz.
Ao comentar sobre a precisão da pesquisa, a professora Herli Carvalho destaca que o principal fator contribuinte, além de ser professora, é a militância, por pertencer ao Centro de Cultura Negra Negro Cosme de Imperatriz, que há 16 anos promove debates sobre a conscientização política e histórica da diversidade, o fortalecimento da identidade e de direitos, e realiza ações educativas de combate ao racismo e à discriminação. “A militância perpassa pela minha auto definição, enquanto negra. Faço parte desse universo e todos esses elementos me ajudaram a fortalecer essa construção. O nosso grupo de pesquisa estuda memórias, diversidades e identidades culturais, então, esses três elementos formulam essa dinâmica. Trazemos essa discussão à tona para buscar visibilidade do nosso trabalho, daquilo que acreditamos”, explica.
De acordo com Herli, o principal objetivo das atividades do projeto é de valorizar as manifestações culturais e religiosas das comunidades quilombolas, e por isso, baseado nos eixos integradores da pesquisa, cada curso realiza açõesespecíficas no município.“Os estudantes do curso de Direito, por exemplo, trabalham na área das manifestações culturais e religiosas, e dos direitos que as pessoas tem à educação e ao o próprio direito humano. A turma de Engenharia de Alimentos já fez vários projetos sociais para ajudar as lideranças quilombolas a constituírem projetos que pudessem beneficiar a comunidade. É nesse sentido que cada um vai contribuindo”, explica Herli.
Outro exemplo das práticas do projeto são as ações de saúde feitas pelo curso de Enfermagem. Palestras educativas sobre drogas, sexualidade e gênero, atividades de saúde para com a comunidade, exames com hipertensos e diabéticos e ações preventivas, estão entre as atuações. “Os alunos acabam aprendendo mais do que ensinam. A comunidade possui hábitos muitos saudáveis, e nós, pesquisadores, é que aprendemos com eles”, completa a coordenadora do projeto ALMA.
O nome do projeto é a junção das siglas AL de Alcântara e MA de Maranhão. ALMA é algo amplo, que transcende e não possui limites definidos, assim é o Projeto ALMA. As atividades de Pesquisa e Extensão nas Comunidades Quilombolas, além de promover conhecimento sobre o tema, tem o propósito de dar voz às pessoas das próprias comunidades, ao atender para as singularidades e sutilezas que aprestam.“Esses anos todos nós, temos vivido experiências que nem tem como descrever. Então, é a alma que nos leva e conseguimos compreender o poema de José Chagas quando ele diz: ‘não é eu que a Alcântara, é Alcântara que vem até mim’. É uma experiência única e diferenciada, principalmente quando participamos das manifestações culturais de lá”, finaliza Herli.