Com conceituação 3 pela Capes, programa que tem como objetivo subsidiar o MEC na formulação das políticas de pós-graduações pelo Brasil, o curso de Mestrado em Ciências dos Materiais da Universidade Federal do Maranhão – Campus Bom Jesus atua em três linhas de pesquisas. O objetivo do curso de é formar alunos altamente qualificados, garantindo uma formação sólida na preparação e caracterização de materiais, contribuindo então para o desenvolvimento tecnológico da região. Outra proposta é melhorar os índices científicos do estado através das produções e propagação de novos conhecimentos.
Seguindo essa mesma lógica, o curso ainda propõe aprovar projetos científicos que permitam a prática científica no programa e colaboração com pesquisadores de outras instituições. Favorecendo assim, a formação de intercâmbios com parcerias de outras universidades no exterior almejando a troca de informações e técnicas cientificas que proporcionem melhor qualidade na formação do aluno.
Em entrevista, a coordenadora do Mestrado Franciana Pedrochi, conta um pouco como funciona a dinâmica do curso e da importância dos estudos nessa área. Além de deixar claro onde podemos observar o reflexo desses estudos no nosso cotidiano.
Ciência.UFMA: Professora, o programa de Mestrado em Ciências dos Materiais atua em três linhas de pesquisas Síntese e caracterização de compostos metálicos especiais, Cristais orgânicos e inorgânicos e Materiais vítreos e cerâmicos. Explica para a gente do que trata cada área.
Franciana Pedrochi: A primeira, síntese e caracterização de compostos metálicos especiais, é uma linha que estuda compostos metálicos para algumas aplicações. É importante destacar que quando trabalhamos com materiais em pós-graduação, estamos falando de materiais avançados. Nesse caso, o foco é a parte de materiais magnéticos que atuem no efeito magnético calórico, ou seja, para refrigeração magnética e algumas outras propriedades importantes, mas em geral propriedades térmicas e magnéticas. Um exemplo bem simples quando se fala em refrigeração magnética é para substituir a geladeira que a gente tem em casa mesmo. Hoje em dia os eletrodomésticos, como por exemplo, ar-condicionado e geladeira, usam gases. Tem um compressor atrás da geladeira que comprime esses gases e gera um efeito de refrigeração. Na ocasião você substituiria gases altamente poluentes melhoraria a qualidade de emissão na atmosfera. Com a total substituição por metal com esse mesmo efeito não teríamos esse problema de poluição.
Na segunda linha, a parte de cristais orgânicos e inorgânicos são voltados principalmente para aplicação em ótica e fotônica. Entra aí dobradores de frequência e basicamente são materiais usados em pesquisa em algumas áreas da Medicina, portanto, são materiais avançados que não estão no contexto diário das pessoas, mas que podem vir a ter aplicações. Nesse caso fica difícil de dar um exemplo claro. Nos dobradores de frequência, por exemplo, um laser atua em um comprimento de onda e emite um outro comprimento de onda. Dobrando essa frequência, conseguimos outra linha de emissão sem mudar o material que está emitindo. Isso para a gente que trabalha em pesquisa com laser é um mecanismo importante porque barateia o trabalho em alguns casos.
A terceira linha são materiais vítreos e cerâmicos. Vidros de um modo geral, quando você olha para categorização em materiais, estão dentro de cerâmicas. Os vidros que pesquisamos são basicamente luminescentes, em um primeiro momento, são para aplicação ótica e fotônica. Volto a repetir, quando a gente fala de pesquisa em materiais estamos falando em materiais especiais. Você pode pensar “vidro a gente usa em janela a tanto tempo, né? ” Mas não é com essa aplicação. Em alguns casos esses vidros possuem características superlativas ou propriedades especiais, servem para meio ativo de laser, por exemplo, com algumas propriedades específicas, que são utilizados na área de Medicina como bisturis. Recentemente iniciamos uma nova sublinha, digamos assim, que são os biovidros. São vidros que podem ser utilizados para substituição óssea e dentária, para implantes em casos de cirurgias.
Como surgiu o programa de Mestrado?
Primeiro, formamos um grupo de pesquisa, o Gpcm, que é autorizado pelo CNPq e a partir desse grupo de pesquisa vislumbramos a possibilidade de ter um grupo de pós-graduação envolvendo esses professores. Iniciamos com oito professores daqui e um de São Luís, reunimos físicos, químicos e engenheiros e precisávamos encontrar uma área comum a Área de Ciências dos Materiais encaixou perfeitamente porque todo mundo trabalhava com materiais de algum modo. Temos 12 vagas anuais para o programa e essas vagas são distribuídas entre os professores. Hoje estamos com um número maior de professores, temos professor atuando aqui da Unifespa, que é do sul e sudoeste de Marabá – PA; temos um professor do Ifma e temos professores de São Luís. Conseguimos construir a Unidade de Caracterização e Preparação de Materiais por meio de projetos federais, da Finep, auxílio do CNPq, da Fapema, tem dinheiro de todo mundo aqui dentro. Os projetos específicos que a gente consegue com a Fapema e CNPq, esses projetos grandes, foram utilizados principalmente para a construção do prédio e para a compra de equipamentos de grande investimento. Esse momento político para a gente é preocupante porque a gente está vendo que a coisa não vai continuar como era antes.
Por que Imperatriz?
Olha, num primeiro momento a gente vislumbrou uma oportunidade de um lugar que não tinha nada, sabe? Quando viemos fazer concurso aqui, alguns professores conhecidos já estavam aqui, tínhamos alguns contatos em comum. Na época tinha um diretor aqui que queria muito fazer com que a coisa crescesse, porque a universidade já tinha 30 anos e nunca tinha existido uma pós-graduação. Então, assim, você via o Brasil num momento de crescimento nessa área, depois de muitos anos sem investimento na área de Educação a gente teve um boom, uma fase boa para se pensar nisso. Então viemos para cá, e pensamos: “bom, a gente consegue fazer isso”. Se você olhar para o estado do Maranhão, quando a gente chegou aqui em 2010, só existia curso de pós-graduação em São Luís para um estado do tamanho do Maranhão. Eu sou do Paraná, lá eu fiz graduação e mestrado na universidade estadual de Maringá no interior do estado. As outras cidades ao redor como Londrina, Campo Mourão, todos possuem pós-graduações e aqui só tinha em São Luís. Então para a gente é uma realidade que não podia continuar desse jeito. A acho que a gente sempre pensou em fazer alguma coisa a respeito disso, desde sempre.
São doze vagas anuais e esses alunos escolhem onde atuar? Como funciona?
Num primeiro momento eles têm opção de escolha, mas lógico que se três alunos escolherem o mesmo professor e o professor só tem uma vaga, isso não vai ser possível. Nesse caso tentamos redistribuir na mesmo linha. Geralmente temos conseguido fazer isso tranquilamente.
Qual o perfil do aluno que se interessa por essa área? Tendem mais à docência ou ao mercado de trabalho?
Olha, depende um pouco da área de formação na graduação. Quando você fala de um mestrado acadêmico, em um primeiro momento, você está preocupado com o mercado de universidade. Vivemos nesse meio e parece que todo mundo que a gente conhece faz mestrado ou doutorado, está dentro da universidade, mas não é. Isso é um meio ínfimo, uma quantidade de pessoas não tão grande assim, você vê que falta muita gente. A gente recebe aqui físicos, químicos e engenheiros. Para a área de Engenharia, por exemplo, quando uma universidade quer contratar um engenheiro doutor para ser professor é muito difícil, porque os engenheiros tendem a se formar e ir para o mercado de trabalho. Já para os físicos e químicos esse mercado não existe de verdade no Brasil, então eles acabam indo atuar mais no campo do ensino, talvez para o químico um pouco mais, mas para o físico é quase que inexistente o mercado da indústria. Você tem em alguns países institutos que as vezes são institutos de pesquisa, mas o cara não vai atuar como professor ele vai ser só pesquisador, principalmente em materiais.
Onde podemos perceber mais claramente o reflexo desses estudos na vida cotidiana de quem não se atenta para esses estudos? Em outras palavras, por que é importante os estudos em Ciência dos Materiais?
As coisas que estão no nosso cotidiano deixamos de prestar atenção. Há mais ou menos 15 anos você tinha uma televisão com tubo de raios catódicos, a de tubo. Depois você substituiu isso por plasma, depois por LCD e isso tudo só é possível através de pesquisas nessa área. Hoje, se você prestar atenção quando for comprar um liquidificador, tem um jarro com polímero que não adere sujeira. Eu sempre brinco que o terror do cientista de materiais é quando alguém lava uma jarra de liquidificador com o lado verde da bucha, sabe? Você estraga todo o trabalho do cara que pesquisou anos para fazer aquele polímero antiaderente, que limpa fácil. Nos veículos por exemplo, se você prestar atenção, um carro hoje é mais seguro que um carro 20 atrás. Por que hoje é muito mais seguro? Você tem polímeros de alta performance dentro do carro e as pessoas ainda falam, “ah, esse carro só tem plástico! ” Esse plástico salva sua vida, sabe? Você tem materiais que foram construídos para airbag, por exemplo. Você tem vidros com propriedades que se ele quebrar não formam pontas, na sua casa tem prato de vidro temperado, a porta de vidro que você coloca na sua casa, então esses materiais estão no nosso entorno a todo momento.
Essas pesquisas atendem interesses de quem em especial?
Se você olhar para a China há dez anos atrás essa área era uma coisa nova. Ela sempre existiu, só que sempre dentro de outras pós-graduações, na Física tinha alguém que trabalhava com metais, na Química tinha alguém que trabalhava com polímeros, etc. Quando você pegava um artigo da sua área de pesquisa em materiais e via que era de um chinês, ficava meio desconfiado. Hoje se você ver, a China criou grandes institutos de pesquisa nessa área, lá é tudo muito rápido, são muitos dedicados naquilo especificamente. Eles estão atrás de patentes, lá o mercado é gigantesco. Se você cria um material, por exemplo um biovidro, você consegue uma patente e fala “olha esse material aqui é ótimo para substituição dentária, um material que vai ser usado no cimento dentário. ” Se você conseguir uma patente dessa e vender para uma empresa, ganha muito dinheiro, então tem um mercado. A pesquisa em materiais avança muito rápido, ela cresce muito. Se você vai ao dentista com uma fratura no dente e precisa repor uma parte do seu dente, ele vai usar ou uma cerâmica ou um cimento, qualquer cimento que eles usam para preenchimento de canal tem vidro lá dentro, então assim, está muito no dia-a-dia e a gente não percebe. Eu sempre brinco com meus alunos, dou uma disciplina no curso que se chama Técnica e Preparação e Caracterização de Materiais, eu falo “gente, pensa numa cadeira de plástico, sabe aquela cadeirinha que todo mundo tem em casa? ”, há vinte anos atrás isso não tinha na casa de ninguém. Os aposentados adoram aquela cadeirinha. Aquela pessoa que acorda cedo e coloca a cadeira na porta de casa. Está aí na nossa vida todo dia, virou um cotidiano que a gente não presta atenção.
Qual o grande desafio, hoje, quando o assunto é caracterização de materiais?
Tem desafio que não acaba mais. Acho que o desafio começa na preparação do material, é você pensar um material com uma propriedade que ninguém tinha pensado nisso, sabe. Mas nem sempre o que você pensa é o que vai dar certo. O cara que criou o Post It e ficou rico com essa criação, estava procurando um adesivo que não soltasse. E testando, descobriu esse. Se você está procurando um super adesivo, o Post It é uma porcaria porque ele cola e solta. Não serve! Se eu quero um super adesivo isso não serve para nada. Mas aí ele pensou, “bom, para que serve esse que cola e solta fácil? ” Então ele criou esse Post It, patenteou e ficou rico com um erro na pesquisa dele. Nem sempre o que você está imaginando nem sempre é o que vai dar certo. Aí eu falo para os meus alunos que não existe material errado. Se você está tentando fazer um vidro e ele cristaliza, vira uma cerâmica. “Deu errada minha amostra”, não! Deu errado para isso que você está pesquisando, mas pode ser que para outra coisa dê certo.
Há uma preocupação por partes de vocês pesquisadores que nós, leigos no assunto, tomemos conhecimentos desses estudos?
É importante, mas as vezes é difícil essa troca, sabe. Acho que no ano passado me convidaram para dar uma palestra na semana de Ciência e Tecnologia no IFMA, eram alunos de ensino médio e fundamental. É difícil, as vezes estou fazendo uma pesquisa com um material avançado fica complicado de você fazer essa ponte. Eu me lembro que tentei ser simples o máximo possível, até minha aluna do mestrado disse que para ela ficou mais claro o assunto. É importante fazer isso, mas a divulgação cientifica não é fácil de ser feita. Precisa ser feita com muito cuidado. Tem uma história das antigas em que o professor Marcelo Gleiser da USP que na época escrevia para a Folha de São Paulo, fazia uma coluna de divulgação científica e certa vez falou de campo magnético, das linhas do campo magnético. Ele citou um exemplo, que se você colocasse um ímã na sua televisão de tubo aparecia as linhas do campo, e teve muita criança que leu e colocou o ímã na TV, a Folha recebeu um monte de reclamação porque muita criança estragou a TV de casa. Então, assim, a divulgação cientifica às vezes é difícil de ser feita, eu acho que talvez a parte mais fácil de se fazer isso é por meio de alunos, quando eles vão dar aulas em colégios, então você acaba tendo esse contato direto. Hoje já temos alunos nossos do Ifma daqui, de Açailândia, no Tocantins no IEF do Pará, há aí uma possibilidade mais real e concreta de ser feita.
Quais mitos permeiam o imaginário de quem não entende bem do assunto?
Olhando no geral, eu já ouvi muitos comentários a respeito de gente que tem medo de usar micro-ondas. Algumas pessoas falam “ah, mas isso tem radiação” simplesmente por falta de um conhecimento básico. O sol transmite radiação ultravioleta que é uma das mais perigosas do mundo e você está exposto todo dia, sua TV emite radiação, seu computador emite radiação, lâmpada emite radiação. Se você liga o fogo e coloca uma panela em cima, por que que aquece? Radiação infravermelho! Entende? É porque muitas pessoas não sabem o que é radiação, elas acham que a radiação vai matar. A gente vê que a ciência básica no Brasil é muito ruim, a gente sofre um pouco para dialogar com as pessoas. Claro que no nosso caso estamos falando de Ciência avançada, mas um pouco dessa dificuldade deve-se por causa dessa falta de base.