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Sociólogo Jesus Marmanillo explica as tribos urbanas de Imperatriz

Por: Lorenna Silva Sousa

Em nossa sociedade, muitas pessoas acreditam conhecer as tribos urbanas, saber seus costumes, quais são seus integrantes, como eles pensam ou agem. Mas esses saberes são escassos e carregados de certos preconceitos e tabus. Com o intuito de conhecer mais sobre essas micro-sociedades e quebrar esses tabus, conversei com o doutor em ciências sociais, Jesus Marmanillo Pereira, que é professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

O professor Marmanillo é coordenador do projeto “Cidade como Laboratório Social: Itinerários Urbanos e Teoria Social nas Praças de Imperatriz-MA” cujo enfoque é mapear e analisar os principais grupos e comunidades urbanas da cidade. Em seu projeto, Marmanillo aborda os diversos aspectos desse assunto. Dentre eles, encontram-se as tribos urbanas, que também são objeto de estudo do grupo de pesquisa.

No transcorrer da entrevista, Marmanillo nos explica como as tribos urbanas se formam, quais os perfis de seus integrantes e quais fatores aproximam esses jovens. Além disso, nos fala sobre os preconceitos que os participantes dessas tribos sofrem, da imagem deturpada que existe sobre eles. Quer mais detalhes? Confira na entrevista.

O que o levou a pesquisar elementos da sociologia urbana?

Jesus Marmanillo: Sou pernambucano, mas fiz minha graduação em São Luis. Durante a graduação, nasceu em mim muita curiosidade por saber como teria sido formada a cidade de São Luis. Minha monografia tratava sobre movimentos sociais por moradia, que está diretamente vinculada ao crescimento das cidades. Eu me perguntava de onde vinham àquelas pessoas que estavam chegando à cidade e em quais bairros se alocavam. Durante minha graduação, mestrado e doutorado, sempre estudei movimentos sociais urbanos. Meus estudos eram todos sobre coisas que envolviam a cidade. Estudava violência na cidade e movimentos sociais urbanos. Então, a cidade era meu campo de pesquisa, mas eu não sabia. Na graduação, trabalhei com o pessoal da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos de São Luís. Eu fazia relatórios sobre homicídios em São Luis, fazia um mapa sobre quantos homicídios aconteciam. Mas, eu não tinha uma literatura especifica sobre cidades, que no caso é uma parte mais forte da antropologia e sociologia urbana. Em São Luis, a sociologia urbana não era tão forte, as áreas que tinham mais predominância eram o campesinato, comunidades quilombolas e religiões afro-americanas. Então, quando eu terminei o doutorado comecei a estudar as cidades.

Em relação à cidade de Imperatriz, a quais conclusões você tem chegado com sua pesquisa?

Primeiro, devemos entender que a cidade se configura como um objeto de pesquisa que deve ser explorado dentro da sociologia, antropologia ou até comunicação social. Dessa forma, teremos uma compreensão de como a sociedade afeta o micro-espaço urbano. Por exemplo, eu costumo dizer que as pessoas acham que cidade consiste apenas no trânsito ou em coisas modernas, mas você encontra índios e unidades quilombolas na cidade. A importância de compreender a sociedade, o desenvolvimento econômico que está ocorrendo, como se desenvolve a própria idéia de estado no Maranhão, etc. Tudo acaba se formando em torno à cidade. Então, a primeira conclusão que eu tenho é que tudo ocorre dentro da cidade. A segunda é que estudar a cidade é um aprendizado importante para a própria formação. Você pode se aprimorar, buscar novos objetos, novas fontes de pesquisa. No geral, é isso. Agora você pode me pedir uma conclusão prática, posso falar da utilidade do estudo. Por exemplo, o estudo sobre praças em Imperatriz. Existem praças que com mais investimentos em infra-estrutura, outras são mais largadas. Dentro da Sociologia norte-americana, a praça é o elemento fundamental para que ocorra a inserção de políticas públicas na cidade, a valorização de determinados bairros que são estigmatizados. As praças são espaços de socialização. A falta de praças nas cidades equivale a um corpo sem articulações. Porque em uma praça vão pessoas de todas as partes e deixam suas características ali. Então, as conclusões são a importância de compreender o valor da cidade e a possibilidade de ver a cidade como um laboratório de estudo.

Partindo dessa ideia de que a cidade é um núcleo de formação de grupos. Qual seria o processo de formação das tribos urbanas?

Essa é uma questão um pouco mais complexa. Quando se estuda qualquer tribo urbana, deve-se entender primeiro o porquê de ela existir. Temos a tendência de ver as tribos dos skatistas, grafiteiros, etc., como algo objetos que já existem e pronto. Para a sociologia e antropologia urbana, eles existem, mas não por acaso. Nossa pergunta sempre é “Como eles se formam e como eles se reproduzem como grupo?”. Para compreender isso, um caminho muito utilizado é tentar ver o movimento dessa tribo por dentro. Primeiro é feito um mapeamento sobre os processos de inserção e recrutamento. Como eles fazem para atrair mais pessoas, quais são as principais características deles. Por exemplo, na Praça Mané Garrincha, você tem varias pistas de skate. Tem pista destinada para àqueles que são mais experientes e outras para àqueles que estão começando. Então, naquele território daquele grupo ele tem um mecanismo de ensino, através do qual eles vão produzir novos skatistas. Assim, eles vão se reproduzindo. Então, para nós é importante saber como ocorre esse processo de educação e formação da tribo. Você só vai entender esses grupos, se perceber como ocorre a transmissão dessas praticas de um individuo para o outro, os processos de socialização e como isso está vinculado a determinados saberes. Então, o processo de identidade dos grupos é construído a partir dessa compreensão que você tem das praticas e dos saberes.

Nesse caso, que elementos das tribos urbanas chamam a atenção dos jovens? Existe certa identidade entre a pessoa e a tribo?

Isso é muito complicado de responder. Eu teria que fazer um estudo mais profundo, um estudo de caso. É um processo bem geral da sociologia. Na questão dos jovens, eles sempre vão procurar indivíduos que tenham qualidades ou características que eles não possuem. Por exemplo, em um grupo de skatistas, a principal característica são as manobras radicais, ter atitude, etc. São valores bem ressaltados entre os jovens e adolescentes, que fazem com que jovens inseguros se sintam preenchidos, sintam que são parte daquilo. A influência desses grupos sempre tem o objetivo de preencher uma necessidade. Às vezes, uma necessidade de auto-estima ou de fazer parte de alguma coisa. Um exemplo disso é o filme “A onda”, todos os jovens que entravam para fazer parte do grupo, tinham problemas em casa ou alguma carência que eram preenchidas pelo grupo. Esse processo de socialização do jovem pode ser compreendido de uma forma mais clara, se tivermos a informação sobre a relação do jovem com a família.

Quais as principais tribos que existem em Imperatriz?

O grupo de pesquisa ainda não fez um especifico estudo nessa área, o que temos até agora é um trabalho sobre os moto-taxistas da cidade e o trabalho sobre malabares. Então, vou falar pelo o que eu vejo. Tem o pessoal do skate, o pessoal do rock que se reúne na Praça Mané garrincha, o grupo do sertanejo que fica na Rua 15 de Novembro, entre outros. Nas praças você tem uma grande concentração de mendigos, que pode dar um estudo legal sobre a população de rua. Os comerciantes, por exemplo, o pessoal que vende lanche na Praça de Fátima. Alem deles, temos malabares da cidade e os que chegam de fora.

Nesse contexto, o que é uma tribo urbana?

Dentro do estudo urbano, são grupos que se apropriam do espaço urbano. Esse espaço tem um uso que caracteriza cada tribo. Assim, cada tribo urbana tem uma forma de apropriação do espaço, seja no skate ou grafite. Então, o elemento que tem em comum entre todos eles é o uso do espaço urbano e esse uso caracterizando àquele grupo. Por exemplo, na Praça Mané Garrincha, você pode não ver os skatistas, mas os consegue ver alguns tênis amarrados em um poste, pode ver grafitagens, etc. Já o pessoal do metal faz umas adaptações para ligar as caixas de som. Eles se adaptam ao espaço e adaptam a cidade à característica do grupo. Então, um aspecto que define a tribo urbana, seria a territorialização.

As tribos urbanas têm uma ideologia em comum? Ou cada uma possui a sua especifica?

Eu imagino que seja especifica. Por que, o que define cada membro da tribo é a experiência pessoal desse membro com a cidade. Essa experiência se mistura à dos outros. Por exemplo, se eu não fosse professor, provavelmente eu me juntaria ao pessoal do metal, por que quando eu morava em São Luis, ficava na praça com meus colegas ouvindo metal, bebendo vinho.. Mas por que eu fazia isso? Por que eu já gostava do gênero musical há muito tempo. Então, tem uma coisa especifica de cada grupo, você tem que entender como esses indivíduos formam o grupo. Por isso, posso te afirmar que é algo individual. Não tem como todos serem iguais.

E quanto a preconceitos. Existe algum estigma em relação aos grupos?

Acho que sim. No caso dos moradores de rua, do pessoal do metal, dos skatistas, todos têm suas imagens associadas ao consumo de drogas. Tive um aluno em meu projeto que pensava que os skatistas da Mané Garrincha eram usuários de drogas. Depois, ele descobriu que, em realidade, eles não usavam drogas. Em vez disso, levavam muita água para beber por que eles gastavam muitas calorias. Em compensação, havia um pessoal que jogava futebol na quadra detrás, que usavam drogas e a má fama passou para os skatistas. Existem muitos estereótipos em relação a cada grupo, que não se formam a partir de nossa experiência, mas vêm de fora. A única forma de você quebrar esse estereótipo é a partir da experiência cotidiana na pesquisa de campo. Por exemplo, se você fizer uma coleta sobre os moradores de rua pela imprensa, você vê apenas facadas, briga entre eles, etc. Assim, quando você conversa com alguma pessoa, esporadicamente, sobre eles, ela vai reafirmar o que viu no jornal. Mas, se você for à praça e observar o ambiente durante um mês, provavelmente, não ocorrerá nada. Isso ocorre por que as noticias e idéias sobre as tribos surgem a partir de eventos extra-cotidianos. Por exemplo, se uma tribo de skatistas comete um assalto, isso se generaliza à todas as demais. Então assim, o intuito da pesquisa urbana é desconstruir esses preconceitos.

Falando em preconceito, quais os motivos disso ser tão comum?

 Isso está relacionado com a falta de informação, o que gera estigma. Esse é o modelo para qualquer processo de estigmatização. Conforme a população das cidades vai crescendo, a tendência é que haja menos informação entre os indivíduos que a compõem. Ao contrario das cidades pequenas, nas quais todos se conhecem. Então, a falta da informação é o principal elemento que causa preconceitos e estigmas. No caso de Imperatriz, na década de cinqüenta ou sessenta, era composta apenas por três ruas na beira do rio e que de repente teve um “boom” de crescimento. É um processo de mudança muito rápido e talvez as pessoas não tenham assimilado tanta informação. Então, você tem uma cidade com características econômicas muito focadas no agronegócio, mas que está crescendo. Aí é onde está o problema, será que as pessoas têm informações sobre esses grupos para difundir informações sobre eles? Outro fator é a experiência pessoal de cada individuo com esses grupos, se forem negativas terão um efeito, se positivas, outro. Podemos ter as experiências de outros locais, por exemplo, se um individuo que vem de fora da cidade teve determinadas experiências com as tribos urbanas de sua cidade, é possível que ele as traga para cá e que a partir delas, comece a classificar os grupos daqui. Além desses motivos, temos a influencia da mídia, que as vezes espalha  informações equivocadas sobre os componentes desses grupos, por exemplo, a idéia de que todos são maconheiros. Mas, basicamente, é isso, falta de informação.

Então, o preconceito tem como base o senso comum?

Sim, o senso comum, a falta de informação, a manipulação da informação. A pessoa não tem conhecimento, então, vai procurar informações em fontes que talvez, passem para ela conceitos e idéias manipuladas. Isso ocorre o tempo todo, está acontecendo agora com o golpe. Isso é o que muitos jornais fazem. Eles pegam o “todo” e fazem um recorte e modificam a informação.

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